Um homem com uma cabeleira altiva e um bigode farto anda tranquilo, olhando a praia ao longe e curtindo o sossego. Seguia pensando na vida e na América do Sul, suas belezas e suas riquezas, muitas delas roubadas. Ao chegar à praia, ele pede uma cerveja e se senta na areia. Fez muito e poderia fazer muito mais, mas há tempos optou pelo anonimato. Não há como saber se, em algum momento, isso realmente aconteceu com Belchior, mas pode-se imaginar que sim. Através de suas músicas, sabemos do encanto e das reflexões de Belchior em relação à América Latina. Sabemos também, por Jotabê Medeiros (1), que a cidade San Gregório de Polanco (Uruguai) foi um dos refúgios preferidos de Belchior após seu “desaparecimento”. Com apenas 3,5 mil habitantes, a cidade pequena e pacata tem belas praias e painéis de artistas como Dumas Orõno e Felipe Ehrenberg. Acima de tudo, tem as contradições que as cidades latino-americanas carregam. Belchior nasceu em Sobral, Ceará, e sempre teve orgulho de suas raízes. Um artista plural. Foi cantor, poeta, compositor, músico, produtor e artista plástico. Foi um dos nomes da MPB que alcançou o sucesso não apenas no Brasil, mas no estrangeiro também. Tanto que, quando Bob Dylan veio ao Brasil, Belchior disse ao cantor estadunidense que o chamavam de Bob Dylan brasileiro, ao que Dylan respondeu que, decerto, ele era o Belchior dos Estados Unidos. Embora fosse fã de Dylan e consumisse muito da música e da literatura do “norte do mundo”, Belchior sempre olhou a América Latina como seu centro geográfico. Em “Palo Seco”, música de 1974, ele afirma: “Tenho vinte e cinco anos De sonho e de sangue E de América do Sul Por força deste destino Um tango argentino Me vai bem melhor que um blues” Um local de nascimento e um olhar aberto ao seu redor nunca permitiram que ele deixasse de ver as belezas da riqueza do Sul, mesmo com tanta influência do Norte. “Isso diz muito de perto respeito àquilo que eu falo em muitas outras músicas, esse sentido de desinsular a cultura, de fazer com que a cultura seja penetrante, troque energias com todos os espaços… O Brasil é um país que está isolado culturalmente da grande tradição irmã latino-americana. Então, essa música, que dá continuidade a outras músicas de outros autores como Milton Nascimento, Ruy Guerra, que já haviam levantado de alguma forma esse problema da latinidade e já era uma constante na literatura e na poesia, sobretudo. Essa música dá continuidade àquela tradição inicial naquele momento.” (2) Vê-se, então, que Belchior não apenas estava atento ao seu entorno, mas buscava, em suas canções, apontar seu lugar, nosso lugar e como deveríamos buscar nos identificar mais com nossos vizinhos que, embora geograficamente pertos, estão artificialmente afastados por outros interesses. A cultura e as dores dos países latino-americanos não são apenas similares, como se conectam em inúmeros pontos. Em geral vistos como as colônias que deveriam suprir e obedecer aos colonizadores do norte e que, na maioria das vezes, conquistaram sua liberdade através de sangue e suor. A liberdade, sempre com um custo e sempre sob olhares de rapina. Em “Voz da América”, de 1979, Belchior começa: “El condor passa sobre os Andes E abre as asas sobre nós” O condor, no caso, se refere à Operação Condor, uma campanha oficial e formalmente implementada pelos Estados Unidos de repressão política e terror de Estado, envolvendo operações de inteligência e assassinato de opositores pelas ditaduras de direita do Cone Sul. Sob tanto caos e violência, é comum o desespero. O medo e a vontade de desaparecer. Mas, na mesma música, Belchior nos brinda com um desejo por um futuro melhor, construído por nós, para a nossa América. Um beijo o bem do corpo em paz Que faz com que tudo aconteça E o amor que traz a luz do dia E deixa que o Sol apareça Sobre a América Sobre a América Sobre a América do Sul Por fim, meu bem, não se desespere. Afinal, não somos todos nós apenas latino-americanos sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindos do interior? Postagem: 16 out. 2023 Texto: Felipe Siqueira Imagem: Fontes: (1) MEDEIROS, Jotabê. Belchior: Apenas um rapaz latino-americano. Todavia, 2017. (2) GUILHERME, Ricardo. Uma conversa radiofônica com Belchior. Disponível em: https://arcagulharevistadecultura.blogspot.com/2016/11/ricardo-guilherme-uma-conversa.html
Uma das hipóteses do porquê não temos tanta troca com a música de língua espanhola seria por conta do idioma. Interessante pensar por essa lógica, visto que temos muita troca com a música feita nos Estados Unidos da América, em inglês, que é outro idioma e, ainda por cima, mais distante de nós do que o espanhol. Por que será que estamos tão perto, mas, ao mesmo tempo, tão longe do idioma espanhol? Fazemos fronteira com tantos países que realmente falam espanhol e, mesmo assim, só conseguimos falar "cafezito", "barulhito", "engraçadito", ou algo nesse sentido. Chega a ser cômico pensar sobre a nossa situação na América Latina se observarmos por essa ótica. No entanto, não se preocupe, vamos "caminhar essa prosa" de um jeito leve e interessante, sem qualquer intenção de seguir um tom muito negativo. Nossa relação com o espanhol (e com qualquer outro idioma, na verdade) começa falha nas escolas. Pesquisas mostram que 90% dos brasileiros (1) desistem de aprender novas línguas, seja por falta de estímulo, seja por uma metodologia inadequada. E quando pensamos no espanhol, então, a situação complica, já que, na maioria das vezes, o idioma nem aparece como disciplina obrigatória. Ora essa, então será mesmo que o espanhol está tão longe assim? Por que fica tão difícil assimilar essa língua e por que nos causa tanta estranheza em diversos momentos? Já sabemos que ambas as línguas, espanhola e portuguesa, vieram do Latim e, assim sendo, apresentam inúmeras palavras em comum, tanto na escrita quanto na fala e até no sentido. Esse é o caso de "hospital", "teatro", "parque", "bolsa", além de muitas outras. Então, por que nos distanciamos tanto? A verdade é que encontramos mais facilidade no inglês porque permitimos; acostumamos o nosso cérebro com aquilo que ganha mais espaço na mídia e, mais do que isso, não temos a consciência de quem somos, da origem dos produtos culturais consumidos no Brasil e temos dificuldade em nos identificarmos como latino-americanos. Segundo o professor Oswaldo Luiz Ferrero Junior (2), é preciso que os estudantes brasileiros valorizem e reconheçam sua identidade latino-americana para que, no futuro, seja possível lutar contra hegemonias culturais, como é observada a partir da grande influência causada pelos Estados Unidos da América no nosso país. Em síntese, são os diversos fatores sociais, econômicos e políticos que nos levam a uma janela de percepção e aceitação bastante reduzida, em que não se é possível enxergar o que está bem ao nosso lado: a nossa cultura latino-americana. Postagem: 11 set. 2023 Texto: Bianca Lima Imagem: Pixabay Referência (1) REDAÇÃO. Por que 90% das pessoas desistem de aprender inglês. Sopa Cultural, 04 abr. 2023. Disponível em: https://sopacultural.com/por-que-90-das-pessoas-desistem-de-aprender-ingles/#:~:text=Enquanto%20o%20estudo%20The%20Rise,desistem%20ainda%20no%20primeiro%20ano. (2) FERRERO JUNIOR, Oswaldo Luiz. Interculturalidade e ensino de espanhol: A música em prol da identidade latino-americana. 27 f. 2018. Artigo (Especialização em Educação Linguística e Práticas Docentes em Espanhol). Programa de Pós-Graduação em Educação Linguística e Práticas Docentes em Espanhol, Colégio Pedro II, Rio de Janeiro, 2018. Disponível em: http://www.cp2.g12.br/blog/propgpec/files/2020/12/OSWALDOJUNIOR2018TCC.pdf
Olá, que tal? O que a gente quer aqui, com o Projeto Sonidos Música Latina, é falar sobre a música que se produz e se consome nos países da América Latina, menos do Brasil... exatamente pra pensarmos o quanto estamos perto e ao mesmo tempo longe disso tudo. E tentar entender o que nós perdemos e o que ganhamos com essa proximidade e com essa distância. Acho engraçado quando leio ou ouço a expressão “Brasil e América Latina”. A impressão que eu tenho é que colocamos o Brasil num espaço cultural, político e social totalmente desvinculado do restante dos países da América Latina. Como nós estamos tão perto e ao mesmo tempo tão distante da música e, por extensão, da cultura em geral, dos países que estão geográfica, social e historicamente muito perto de nós. Distantes porque, como já disse, a gente encontra ainda poucos canais divulgando essa cultura e essa música aqui no Brasil, para os brasileiros. E tão perto porque, não só geográfica, mas também cultural, social e historicamente, estamos próximos, tão próximos que influenciamos uns aos outros, mesmo quando não percebemos diretamente essas influências. Vou dar um exemplo: você tem acompanhado os lançamentos musicais da Argentina, ou do Uruguai? Que cantores, cantoras, grupos musicais desses países são bem conhecidos por aqui? E do Caribe, da Colômbia ou do México, você conhece algum cantor, cantora, grupo, estilo musical? E se perguntarmos quais ritmos brasileiros são adaptações ou influência direta dos ritmos desses outros países? Coisas que cantamos aqui e que nasceram em língua espanhola, nos outros países da América Latina, vieram pelas fronteiras, pelo rádio, pelas trocas culturais, pela indústria fonográfica e, muitas vezes, não nos damos conta disso. De outro lado, nossos vizinhos sabem muito mais de nossa música do que sabemos sobre eles. E por que isso poderia fazer diferença em nossas vidas? Entendemos que cultura e, dentro dela, a música, nos aproxima, coloca nossas vidas em contato. Por meio dela, nossas histórias, nossos projetos, sonhos e decepções são também compartilhados. Podemos aprender uns com os outros. E quando falamos de cultura, vamos vendo que nunca perdemos quando a compartilhamos. É sempre soma, ganho e enriquecimento. E, ao nos aproximarmos culturalmente, vamos quebrando preconceitos, fortalecendo pontos em comum, sem deixar de perder nossas particularidades. Permita-me citar aqui o escritor uruguaio, Eduardo Galeano. Ao discursar num evento do Mercosul, em 2008, falou dessa nossa distância e da necessidade de estarmos mais próximos: “Pero sólo siendo juntos seremos capaces de descubrir lo que podemos ser, contra una tradición que nos ha amaestrado para el miedo y la resignación y la soledad y que cada día nos enseña a desquerernos, a escupir al espejo, a copiar en lugar de crear.” (Traduzindo: “Mas, só sendo juntos seremos capazes de descobrir o que podemos ser, contra uma tradição que nos há adestrado para o medo e a resignação e a solidão, e que cada dia nos ensina a desquerer-nos, a cuspir no espelho, a copiar no lugar de criar.”) Então, é por esses e outros motivos que nós convidamos você a navegar conosco e a descobrir ou redescobrir as riquezas dessa América Latina, por meio de seus “sonidos”. Nós esperamos você em nossas mídias sociais (Instagram: @sonidosmusicalatina; Facebook: @sonidosmusicalatinoamericana; Threads: @sonidosmusicalatina, aqui no nosso Blog Sonidos, no nosso site ( www.sonidosmusicalatina.com.br ) e no Spotify (Sonidos Música Latina). Deixe seu comentário, curta, compartilhe. Beijos e até nosso próximo encontro! Suzana Coutinho
Olá, vamos nos apresentar: Nós somos a Equipe Sonidos que pensa e produz conteúdo digital do projeto Sonidos Música Latina. Conheça nosso objetivo e o que temos para oferecer para você neste e em outros espaços da internet.